Índios festejam cancelamento de hidrelétrica no Tapajós
“Nossos parentes estão alegres, é um passo para a vitória,
vamos comunicar isso tudo para todos’’, disse a liderança do Movimento
Munduruku Ipereg Ayu, Maria Leusa Munduruku, moradora de uma das aldeias
do povo Munduruku na bacia do rio Tapajós, na altura do município de
Itaituba, sudoeste do Pará, ela ainda se referia à recomendação do
Ministério Público Federal (MPF) ao Instituto Brasileiro do Meio
Ambiente (Ibama) para o cancelamento em definitivo do licenciamento da
Usina Hidrelétrica de São Luiz do Tapajós projetada para o médio curso
do rio.
Um dia depois, na quinta, 4, a presidência do Ibama decidiu
arquivar o processo de licenciamento ambiental do empreendimento, que
volta agora à estaca zero. Se quiser tocar o projeto, o governo federal
terá de começar tudo de novo.
O Liberal pediu informações para a Eletronorte, em Belém,
mas a assessoria de imprensa comunicou que o assunto era de competência
da Eletrobrás, com sede no Rio de Janeiro, que por sua vez participou
dos estudos técnicos da usina, no entanto, encaminhou a reportagem para o
Ministério das Minas e Energia (MME) que, procurado, não deu retorno.
Integrante do Movimento Xingu, atuante junto aos povos do
Xingu, Dion Monteiro, comemorou na última sexta-feira, 5, a negativa
acerca da usina e observou que os prejuízos para os indígenas serão
imensuráveis, caso a UHE São Luiz do Tapajós saia do papel. No aspecto
socioambiental, ele destacou que projetos como o que está em questão
atraem grande migração de pessoas para o local do empreendimento, o que
eleva a pressão e a violência nas terras indígenas.
“Aumenta o tráfico e o consumo de drogas; a exploração
sexual de crianças e adolescentes indígenas e não indígenas; biomas de
importância inestimável para o equilíbrio ambiental e climático da
região amazônica e do mundo ficam fragigilizados; há o desaparecimento
de espécies endêmicas; desmatamentos, exploração ilegal de madeira;
poluição dos rios que são fontes de água e alimentação dos indígenas,
ribeirinhos e de todos os povos, entre outros graves impactos’’,
enfatizou Dion Monteiro.
Leusa Mundurku afirmou que seu povo sempre viveu na bacia
do rio Tapajós e disse que as lideranças indígenas estão unidas em
defesa de seus recursos naturais, tanto é assim, que os índios buscam
também o apoio de ribeirinhos, quilombolas e outras comunidades que
sobrevivem, em parte, dos recursos naturais locais, para enfrentar novas
iniciativas industriais na área.
“O rio sempre nos deu tudo que a gente precisa: as plantas
para comer, fazer nossos enfeites, pintar nossos guerreiros, guerreiras,
crianças e todo o povo, curar nossas doenças e fazer nossas rezas. É
nos rios que a gente se encontra e brinca, são eles que dão nosso
sustento melhor que os supermercados dos pariwat; a terra preta para
fazer as nossas roças; e nossos locais sagrados, onde a nossa história,
os nossos antepassados e os nossos espíritos vivem e nos protegem. Por
isso somos uma só nação, a Nação Munduruku, dona da Mundurukânia ontem,
hoje e sempre’’, explicou ela. “Vamos resistir sim’’, acrescentou Leusa.
Os argumentos citados pela Munduruku embasaram o pedido
feito pelas lideranças indígenas ao MPF e à Fundação Nacional do Índio
(Funai) para que tais órgãos ficassem atentos às atividades de pesquisa
dentro do território indígena. Em carta aberta à população em geral e
enviada a diversos órgãos que trabalham com a causa indígena, em junho
passado, a exemplo do MPF e da Funai, os índios dizem que não querem
mais pesquisas em suas terras.
“Nós não queremos que alguém entre na nossa casa e comece a
mapear a gente sem que a gente tenha pedido que façam isso. Não
permitimos a entrada de pesquisadores do governo para construir
hidrelétricas, mas também não gostamos que registrem nossas vidas,
nossas coisas, nossa história nem nossos locais sagrados se a gente
mesmo não pedir pra fazer. Sabemos que alguns pariwat têm formas de
olhar e medir o mundo que um dia podem até nos ajudar, mas queremos que
nos respeitem e nos perguntem antes’’, diz um trecho do documento.
“A gente não abre a porta da casa dos pariwat (branco) e
vai entrando e vasculhando as gavetas e os retratos nas paredes e o
cachorro no quintal, tirando foto de tudo pra mandar ninguém sabe pra
onde. Se a gente fosse fazer isso iam nos expulsar das suas casas, iam
dizer que estamos colhendo informações para dar para um ladrão entrar e
roubar tudo depois. Por isso conversamos que a mesma coisa vale pros
pesquisadores’’, diz a carta da Nação Munduruku.
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